domingo, dezembro 11, 2005

Portugal Rural - A Mística Campestre


Lugar do Pardieiro, em Vale Chungoso. Terra inóspita de gentes rudes e exemplo perfeito da alma campesina portuguesa, cuja mística se vai perdendo aos poucos neste mundo infectado pela modernidade. Mas como dizem os locais: “É no meio do estrume mais fedorento que nascem as mais belas flores”, e este é um conto acerca da paixão rústica e do seu belo despontar em terras agrestes.

No Lugar do Pardieiro havia um jovem bem conhecido e apreciado pela populaça local, chamado Estrumêncio. A sua perícia de retirar grandes e volumosos nacos de cera dos ouvidos, os quais enrolava em pequenas bolas alaranjadas ou avermelhadas, consoante o período de fermentação da cera, era invejada por todos os homens do Pardieiro e todos reconheciam que era ele quem tinha as maiores e mais redondas bolas na terra. Já face ao mulherio local, todas enfatizavam a sua masculinidade pela sua magnânime ponte de pelos entre o peito e a barba, possuindo ele um belo e uniforme tapete felpudo de cor preta, apenas salpicado por tons verdes, cinzentos e azulados de esporádicas bolas de cotão e borboto.
Estrumêncio, embora fosse bem-querido pelas gentes locais, sentia que algo lhe faltava, sobretudo quando acordava na alvorada, no seu esburacado casebre, e se dirigia até à soleira da porta, sentindo o penetrar gélido da fresca aragem matinal pelas suas acastanhadas ceroulas lhe fazia arrepiar a pelagem (e não só), tendo ele que aquecer-se, friccionando a área com uma vigorosa coçadeira e nesse preciso momento é que ele sentia a mencionada falta de algo na sua vida, passando um bom bocado de tempo nestas práticas, embalado pelo sonoro ribombar intervalado dos seus longos e salpicados traques.
Essa sensação de necessidade por algo que não compreendia bem ensandecia-lhe a mente, a qual apenas era apaziguada pela sua ocupação pastorícia, pois quando ia para o monte com o rebanho, conseguia alguma paz de espírito, passando todo o dia a brincar com as suas cabras.
Assim levava Estrumêncio uma simples e singela existência. Durante o dia ia com as suas cabras para o monte, voltando à noite para passar o tempo no tasco do Ti Merdino, ingerindo largas quantidades de vinho e tremoços, intervalados apenas por algumas doses de chouriça e água-pé.
Esta rotina apenas era interrompida aquando das celebrações dos santos da terra, onde Estrumêncio demonstrava os seus dotes físicos no bailarico da praça. As damas olhavam extasiadas para os seus pomposos movimentos, a sua mão direita ficava bem fixa ao nível da cintura com a palma virada para dentro, o braço esquerdo ficava aberto a um ângulo de 70º, o corpo movia-se pendularmente para ambos os lados assemelhando-se ao movimento de um metrónomo, enquanto que as ancas oscilavam ligeiramente, caminhando para a frente e para trás, tropeçando consoante a sua embriaguês.
Foi precisamente num destes bailes que a sua vida mudou. Enquanto estava a saciar a sua sede num garrafão de tinto, reparou pelo canto do seu remeloso olho numa magnífica moça de aparência bem roliça, que estava a falar com o Ti Merdino. Assim que teve a oportunidade perguntou-lhe quem era aquele belo exemplar que tanto o cativara, ao que Merdino lhe disse tratar de sua sobrinha Bostilda, que morava na aldeia vizinha de Casal de Poias.
Estrumêncio que ficara arrebatado pela formosura de Bostilda, logo que a viu sozinha começou-lhe a piscar o olho, ao que Bostilda ficou indecisa. Estrumêncio avançou então com audível assobio “fuí-fuiiiiu” e então Bostilda lisonjeada começou a remexer as pontas espigadas da sua ensebada trança. Foi o sinal que Estrumêncio precisava para avançar e então tratou de ir ter com ela e apresentar-se.
Assim que se aproximou e lhe disse o seu nome, Bostilda sentiu imediatamente o odor pútrido do seu hálito, que lhe fez lembrar o doce aroma dos campos fertilizados aquecidos pelo cálido sol. O seu sorriso amarelado pontuado por restos de chouriça e de couve entre os dentes cativou a atenção da jovem, os pêlos bem salientes das orelhas e do seu nariz, onde havia inclusive uma pequena codelha de uma tonalidade verde-pálida na ponta de um pêlo, deslumbraram-na por completo, mas o que arrebatou o fôlego à apaixonada jovem foi sem dúvida o intenso perfume exalado pelos seus sovacos e por outros lugares recônditos, que possuía uma influência e virilidade tal que só de absorver um pouco dessa emanação lhe vieram as lágrimas aos olhos.
Estrumêncio convidou Bostilda para, nessa noite, e às escondidas dos pais dela, irem os dois passear, pelo que ela logo aceitou o convite e assim que as festas findaram e as saloias famílias retornaram aos seus casebres, os dois encontraram-se no pinhal entre as duas aldeias. Estrumêncio, assim que voltou a pousar o olhar na sua amada ficou ainda mais apaixonado. O luar exacerbava-lhe a sua beleza natural, a sua sobrancelha unida tornava-se mais definida, o seu olho vesgo tornava-se mais reluzente, a verruga que tinha nos queixos de onde brotavam três longos pêlos encaracolados parecia mais saliente… Estrumêncio pegou-lhe nas mãos e beijou-lhas, ficando depois algum tempo a mirar os seus belos dedos atarracados e as suas amarelas unhas com os negros contornos do esterco por debaixo das unhas que as decoravam tão bem.
Ambos se abraçaram e Estrumêncio pôde sentir o agradável cheiro a bosta de vaca que Bostilda exalava por esta dormir no estábulo com o gado, levando-o à quase loucura despoletada por um interno desejo ardente.
Olharam-se mutuamente nos olhos e aproximaram as suas encardidas faces, os dois dentes da frente que faltavam a Bostilda formavam agora um buraco negro que puxava Estrumêncio na sua direcção, os pêlos do seu noveloso bigode exerciam uma magnética atracção com as pilosidades do buço de Bostilda e ambos se fundiram num opulento ósculo, onde por entre o seco roçar dos seus lábios gretados se foram emitindo profundos e grotescos ruídos que assustaram os animais e libertando jactos de saliva que escorriam pelo pescoço de Bostilda e que pingavam das eriçadas barbas de Estrumêncio.
Rapidamente após uma sucessão de animalescos beijos, Estrumêncio baixou as calças e as suas rotas ceroulas, ao que Bostilda correspondeu com um levantar das saias e um baixar das suas amareladas cuecas. Estrumêncio, ao ver-lhe as volumosas ancas pensou para consigo que ela era uma boa parideira e colocou-se sobre ela. O que se passou a seguir foi um frenético coro de duas vozes arfantes que cortou pela calmia nocturna do monte durante uns longos e prazenteiros 2 minutos de intensa paixão carnal.
Estavam agora ambos contentes, mas algo lhes assombrava o pensamento, pois tinham já por várias vezes ouvido falar, nos serões de tertúlia literária das suas aldeias onde são lidos, pelas pessoas com a 4ª classe, os artigos daquelas revistas com nomes de mulheres (marja, anna, etc.) nas quais são relatadas relações íntimas entre pessoas as suas questões e as suas consequências. Ambos estavam cientes que haviam feito amor sem a sua roupa interior posta e, por conseguinte, Bostilda poderia vir a parir um rebento. Após terem discutido a situação, e depois de decidirem ser inútil escrever para essas revistas para pedir conselho, dado que nenhum deles sabia ler nem escrever, decidiram ir falar com o pároco da aldeia de Estrumêncio, para melhor se aconselharem.
Com o raiar do dia, o jovem casal foi à igreja do Lugar do Pardieiro, para falar com o Padre Pedofilino, o qual era sabido nestas andanças e bom conselheiro. Assim que o padre ouviu a sua história, disse-lhe para se casarem o mais rápido possível, para que ninguém desconfiasse e que deveriam rezar 500 avé-marias, 700 pai-nossos e deixar metade das suas economias na posse do pároco, para que este não os condenasse aos fogos do inferno por terem perpetrado tão vil pecado.
Felizes ficaram os dois, por poderem consumir o seu amor e não irem para o inferno por causa disso. Estrumêncio foi a casa do pai de Bostilda pedir a mão da filha em casamento, ao que o pai acabou por aceder após este ter ofertado um dote de 6 cabras de lã virgem do seu rebanho por troca da filha e, para cumprir a tradição da declaração de interesses de um rapaz por uma moça, Estrumêncio foi a correr pela aldeia com as calças pelos joelhos enquanto o pai de Bostilda o perseguia aos tiros com uma caçadeira.
Resta apenas dizer que, após pomposo casório entre os dois jovens, Estrumêncio ficou um ano sem poder estar com Bostilda, por causa de ter apanhado gonorreia com uma prostituta na sua despedida de solteiro, mas depois foram muito felizes, vivendo no casebre ruinoso de Estrumêncio, dedicando-se à lavoura e criando ordas de doces crianças piolhentas e bexigosas.

Fim